Por : Mayara Penina ( do Portal Aprendiz)

Maria de Fátima Borges mudou a realidade da EMEF Olavo Pezzotti, em São Paulo, quando todos acreditavam em seu fechamento
Foi por escolha própria que a pedagoga Maria
de Fátima Borges de Oliveira veio dirigir a Escola Municipal de Ensino
Fundamental Olavo Pezzotti na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo.Fátima é
moradora do Bom Retiro e atuava como diretora de uma escola no bairro de
Pirituba, zona norte de São Paulo quando, em 1997, se candidatou ao cargo de
diretora na escola da Vila Madalena.
Naquela época, havia rumores de fechamento da
escola, tantos eram os problemas que ela enfrentava: baixo número de matrícula
de alunos, paredes pichadas e banheiros destruídos. Mesmo com a “má fama da
escola”, Fátima fez uma visita e gostou do que viu. “Eu já passei por escolas
da rede pública na mesma situação e todas elas tinham um grande problema que o
Olavo não tinha: botecos na porta. Por isso fiquei feliz, indiquei a escola e
passei.”
O dia 2 de fevereiro de 1997 foi seu primeiro
dia de trabalho. E ela decidiu colocar em prática os ensinamentos da “cartilha
freiriana”: reconheça o território onde você está, descubra quem é a
comunidade, o que ela tem, o que ela precisa ter e o que as pessoas gostariam
que tivesse.
Uma de suas primeiras ações como diretora foi
acionar os mecanismos da Prefeitura de São Paulo para a reforma do prédio. “É
impossível estar em uma escola em que os banheiros não funcionam e que alaga
quando chove. Isso aqui era um barro só.” A reforma terminou em 1999. “E eu não
suspendi nenhum dia de aula”, orgulha-se. Aliás, desde a sua posse, ficou
terminantemente proibido dispensar alunos. “Só se pegar fogo na escola”,
brinca.
O principal eixo do trabalho da educadora era
resgatar a confiança da comunidade que via a escola com maus olhos. Dizia para
os professores: “Não podemos praticar injustiças, não podemos destratar ou
desrespeitar uma criança. Ela pode até fazer isso com a gente, mas não podemos
fazer igual. Fátima dá aos seus alunos a possibilidade de criticarem os
professores e palpitarem nas regras disciplinares. “Temos que dar vez e voz
para eles, senão, como é que aprendem?”
Maria de Fátima trabalhou na Secretaria
Municipal de Educação ao lado do educador Paulo Freire e de Luiza Erundina.
“Larguei meu mestrado para este trabalho. Mas hoje vejo que me valeu mais que o
diploma. Aprendi muito visitando as escolas, conversando com os professores,
elaborando aulas, discutindo projetos.”
Com todas essas ações e maneira de trabalhar
a educadora conquistou a credibilidade da comunidade, estimulou os professores
e, aos poucos, foi criando um ambiente menos hostil para o aprendizado. Saiu
batendo às portas de vizinhos em busca de ajuda, o que rendeu parcerias com a
Associação Cidade Escola Aprendiz, a PUC – Pontifícia Universidade
Católica, a USP – Universidade de São Paulo – e a ACM – Associação Cristã
de Moços, onde conseguiu apoio para a formação de seus professores.
“Eu queria quebrar aquele mito de que ninguém
sabe quem é o diretor. Crianças e pais entram em minha sala a qualquer hora.”
Foi por causa desse jeito autêntico que passou a ser bem vista por uns e um
tanto mal vista por outros. “Alguns me veem como a diretora que não cumpre
prazos e que não se dá bem com a papelada, porque minha prioridade é fazer as
crianças terem aula. Já outros me veem como a diretora que conhece seus alunos
pelo nome, que não deixa nenhum pai sem resposta, que sabe até quem foi o
último a perder o dente”, afirma.
Antes de ser
educadora
Maria de Fátima é a filha mais velha de uma
família de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Por causa de seu pai, que era
militar e não permitia que a filha estudasse, entrou tardiamente na escola, aos
8 anos de idade. Isso aconteceu graças à mudança para a casa de seu avô
paterno, onde se alfabetizou em 3 meses.
Aos 17 anos, a jovem Fátima já militava na
esquerda católica e apoiava a derrubada do regime militar. Ainda na
adolescência, virou o amparo da família – o pai havia desaparecido. Para
sobreviver, formou-se técnica em contabilidade e conseguiu um trabalho em uma
empresa de brinquedos educativos, o que a incentivou a estudar pedagogia.
Entrou para a rede municipal de ensino aos 33
anos, por meio de um concurso. Passou entre os 100 primeiros colocados e
tornou-se professora de uma escola na periferia de São Paulo, em São Miguel
Paulista.
A despedida
A diretora vem, há anos, mantendo uma rotina
de trabalho de mais de 12 horas. “Isso significa alguém que não cuidou da
saúde: comecei a fumar por causa do stress, passei por um câncer e dois AVCs,
estou com diabetes e hipertensão”, revela.
Para descansar e ter mais tempo para cuidar
da saúde, Fátima decidiu aposentar-se. “Isso não significa vestir o pijama. Vou
diminuir o ritmo, mas não vou parar, quem sabe vou ajudar em alguma EMEI
(Escola Municipal de Educação Infantil) ou me voluntariar em alguma ONG que
trabalhe com crianças.
Antes da chegada do diretor efetivo, que deve
acontecer em 2014, Fátima tem o desafio de preparar o professor assumirá seu
lugar. Os candidatos já estão apresentando suas propostas e a escolha será
feita pelo Conselho de Classe, formado por pais e alunos.
“Há uma temeridade de boa parte das pessoas
de que a nova pessoa não dê continuidade aos projetos e quebre a relação que a
gente tem com a comunidade. E é isso que dá mais trabalho. Aquele ‘jeitinho
básico’ de chegar, despachar e pegar a bolsa quando dá o horário, não existe”,
finaliza.
* Publicado originalmente no site Portal Aprendiz.
http://envolverde.com.br/educacao/a-educadora-que-reinventou-uma-escola/
(acesso em 25/10/2012)
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